sábado, 9 de julho de 2011

Jane Austen


A Europa do século XVIII passa por importantes mudanças políticas e econômicas. Os tratados de Utrecht (1713-1715) encerram o período da preponderância francesa, que passa a ser britânica. O absolutismo triunfa até meados desse século em boa parte do continente, onde ocorrem diversos conflitos: a guerra da Tríplice Aliança, a guerra da sucessão da Áustria, a guerra dos Sete Anos e outros.

As rivalidades coloniais entre França e Inglaterra pesam muito nas relações entre esses países. Na índia os britânicos suplantam definitivamente a influência francesa no decorrer da guerra dos Sete Anos.

A partir de 1760 tem início na Inglaterra a Revolução Industrial. A invenção da máquina a vapor é decisiva para a aceleração da série de transformações tecnológicas, econômicas e sociais que só depois de muitas décadas se estenderiam ao continente.

Mansfiel Park
O impacto causado na Europa pela Revolução Francesa, em 1789, é tão profundo e marcante que a partir daí tem início outra época, tradicionalmente denominada Idade Contemporânea.

A segunda metade do século XVIII passa a ser denominada Século das Luzes, em virtude do predomínio gradual das idéias de tolerância religiosa e reforma política e social que asseguram maior liberdade individual.

É nesse período de ebulição política na Europa que nasce Jane Austen, em 16 de dezembro de 1775, no presbitério de Steventon Parish, em Hampshire, na rural da Inglaterra, no reinado de Jorge III.

Jane é a segunda filha e a penúltima dos oito filhos do reverendo George Austen e sua esposa Cassandra Leigh Austen, pertencentes a uma família tradicional e numerosa. Jane recebe em casa a maior parte de sua instrução. Tem uma infância feliz em meio aos irmãos e a outros garotos, que se hospedam na casa e dos quais o reverendo George é tutor. Amantes do romance e da poesia, para se divertir as crianças escrevem e inventam jogos e charadas, e mesmo sendo uma garotinha, Jane é incentivada a escrever. Desde cedo revela sua inclinação para as letras, ao escrever bilhetes para parentes e amigos em uma época em que escrever cartas é uma espécie de modismo. A leitura pelas crianças de livros da extensa biblioteca do reverendo George fornece material para que escrevam pequenas peças teatrais, que elas próprias representam.

A Abdadia de Northanger
Em 1784, quando seus pais decidem enviar Cassandra - a inseparável irmã mais velha, então com dez anos - para uma escola em Oxford, Jane implora para ser levada junto, no que é atendida. Elas ficam sob os cuidados de uma preceptora; contudo, sem recursos para manter as meninas estudando fora, o pai traz as filhas de volta para casa três anos depois. Jane nunca mais se separaria da família.

Em 1790, com catorze anos de idade, Jane escreve seu primeiro romance, Amor e Amizade, sob a forma epistolar - estilo que nunca seria inteiramente dominado pela escritora. Essa e outras obras escritas anonimamente na adolescência, além de uma coleção de cartas, comporiam os três volumes da coletânea Juvenilia.

A vida de Jane Austen até então não é marcada por grandes acontecimentos, nada ocorre que possa perturbar a sua pacata existência. Contudo, apesar da tão pouca vivência, do restrito convívio social e de morar sempre em pequenas cidades do interior da Inglaterra, a escritora possui uma visão extraordinariamente cosmopolita.

Mansfiel Park
Transforma-se em uma notável cronista da sociedade inglesa da época, que, ao contrário do que se poderia supor, não é uma sociedade rural típica inglesa, estável, conservadora, e sim uma sociedade burguesa, um mundo fluido, e arbitrário em' que algumas famílias nadam em dinheiro novo, enquanto outras lutam para manter o pouco que possuem.

Com percepção aguda dos fatos e 'estilo pacífico, sereno e equilibrado, Jane consegue construir em seus romances uma descrição minuciosa do ambiente a que pertence com uma sutil ironia. Seus primeiros' escritos contêm imagens anárquicas e de violência em abundância, e por ser, filha de um eclesiástico do século XVIII, isso revela uma ousadia incomum.

O romance Lady Susan, escrito na adolescência, em 1792, é inspirado em As Relações Perigosas, de Choderlos de Lados" um livro que seria proibido para uma senhorita da pequena burguesia, educada nos rigores do puritanismo. É possível que os pais de Jane não lhe censurem as leituras, pois seu trabalho literário também recebe influência de Sir Charles Dickinson, escrito por Samuel Richardson, e de Tom Jones, de Henry Fielding, livros considerados igualmente escandalosos na época.

Razão e Sensibilidade
A criação aristocrática também aflora na temática dos romances de Jane Austen, sobretudo na caracterização psicológica de suas personagens femininas, verdadeiras heroínas burguesas, cuja preocupação máxima é conseguir um bom casamento. Sem dúvida a principal diferença entre Jane Austen e suas heroínas sensuais é que, no caso destas, não só suas percepções e critérios são importantes como também em geral têm a oportunidade de escolher o próprio destino.

Ainda em 1792, Jane escreve Kitty ou o Caraman chão, e entre 1795 e 1798 Elinor e Marianne, romance epistolar que serviria de base para Razão e Sensibilidade, A Abadia de Northanger, que parodia os livros de terror, muito populares à época, mas que só seria publicado postumamente, e Orgulho e Preconceito.

Em 1795, no final da adolescência, Jane se apaixona por um irlandês encantador chamá-lo Thomas Lefroy, mas o romance não se concretiza e termina no ano seguinte. Essa desilusão amorosa sem dúvida desencadeia em Jane os mesmos sentimentos de vulnerabilidade e de um relativo abandono que marcaram sua infância, quando a mãe a deixara juntamente com a irmã Cassandra Elizabeth aos cuidados de uma preceptora em Oxford.

Orgulho e Preconceito
Em 1801, aos 26 anos, muda-se com os pais e Cassandra, para Bath. Após a morte do irmão George, deficiente mental, do pai, em 1805, e da cunhada, que deixa órfãos os onze filhos de seu irmão Edward, ela passa por um período de depressão, durante o qual escreve muito pouco.

Em março de 1807 Jane, Cassandra e a mãe mudam-se para Casde Square, Southampton. Passam a morar com seu irmão Frank, um capitão naval, e sua esposa.

Em 1809 as três mulheres transferem-se para uma pequena más confortável casa cedida pelo próspero irmão Edward em Chawton, próximo a Winchester, no sul da Inglaterra. Jane retoma a atividade literária e começa a preparar a versão final de Razão e Sensibilidade e de Orgulho e Preconceito.

Em 1811, então com 36 anos, publica Razão e Sensibilidade e começa a escrever Mamfield Park, que seria publicado em 1814, ano em que começa a escrever Emma, obra dedicada ao príncipe regente, futuro George IV; e publicada no ano seguinte.

Emma
No início de 1817 Jane começa a escrever outro romance, Sanditon, mas poucos meses depois adoece, vitimada por uma complicação pulmonar, e vê-se obrigada a ir para Winchester para se tratar. Porém, fica paralítica e morre em 18 de julho, aos 41 anos de idade. Cassandra está a seu lado. Uma semana depois é sepultada na catedral da cidade, sem a presença da irmã, já que nessa época mulheres não assistem a funerais.

Além de A Abadia de Northanger, outras obras publicadas após sua morte são Persuasão e Lady Susan, com um prefácio biográfico escrito por Henry, seu irmão predileto. As obras The Wátsons e Sanditon também são póstumas, mas são trabalhos não concluídos.

A linguagem pura e simples, o tom humorístico, sarcástico, a agudeza de espírito e os sempre atuais temas de amor e casamento garantem a imortal popularidade de Jane Austen, cujos romances são frequentemente reproduzidos com sucesso nas telas de cinema.

A Abdadia de Northanger
Ao longo dos séculos, biógrafos e críticos têm se perguntado como a tímida e reservada filha de uni clérigo protestante do interior da Inglaterra viria a produzir livros tão sofisticados, como uma mulher de temperamento doce, morta aos 41 anos de idade, solteira e com pouco convívio social, se converteria em autora de romances tão irônicos e profundamente modernos, que não se enquadram em nenhum dos padrões literários característicos de sua época.

Gustave Flaubert

Lá fora, o inverno. As flores do pátio morreram. As folhas dos plátanos foram ficando douradas e caíram. O pequeno rio gelado não é mais que um filete de vidro. Até mesmo a estátua de Corneille, sobre a, Ponte de pedra, está coberta de neve.

Ruão, 1821. O doutor Achi1le-Cléophas Flaubert não contempla a paisagem. Passa muitas vezes ante a janela embaçada. A sabedoria do médico-cirurgião se tornou inútil e a longa experiência profissional de nada lhe serve. Há horas que anda de um lado para outro. De repente pára, apruma o ouvido, sorri: acaba de nascer seu segundo filho.

Casa de Flaubert em Croisset
Os recén-nascidos são geralmente levados da maternidade para casa. Mas a casa de Gustave Flaubert é o próprio hospital, o Hôtel- Dieu. Um lar sem dúvida pouco propício para o desabrochar do mundo alegre e puro de uma criança. Recompensa-o, no entanto, ouvir histórias de fadas e relatos fantásticos ou brincar com os irmãos, Chille e Caroline.

Aos dez anos vai estudar no renomado Colégio Real. Gustave é uma criança distraída e desinteressada. Prefere cultivar e devorar romances em vez de estudar matérias obrigatórias. Nos intervalos da aula Gustave lê. Gosta de romances históricos, de aventuras maravilhosas, de poesias carregadas de sentimento que caracterizam o Romantismo. E um dia resolve escrever também. Compõe narrativas históricas e alguns contos, seguindo os padrões de suas leituras preferidas. Redige também o semanário escolar Arte e Progresso.

O jovem  Flaubert
Aos quinze anos descobre o teatro. Atraem-no as peças de Shakespeare, Alexandre Dumas, pai e Vitor Hugo. Decide, então, compor um drama em prosa, em cinco atos, Luiz XI. Pouco tempo mais tarde, no inverno de 1837, aos dezesseis anos, descontente com a aventura teatral, redige seu primeiro romance, Paixão e Virtude. Nessa obra imatura e juvenil vislumbram-se os germes e suas grandes criações: a heroína, Mazza, contém os traços que reaparecerão' em Ema Bovary. A minúcia com que descreve- a paisagem e o ambiente, o esforço para encontrar, em seu vocabulário de adolescente, a palavra exata, a preocupação de harmonizar temperamento e ação, enfim, todas as características do futuro Flaubert já se anunciam timidamente nessa primeira narrativa literária.

É nessa época que descobre o amor. Amor de adolescente por uma mulher casada, onze anos mais velha: Elisa Schlesinger. Tanto ela quanto o marido gostam muito de Flaubert. Levam-no a passeios de barco, convidam-no para jantar e se preocupam com seus problemas. Gustave nunca falou à amada de amor, nunca esboçou um gesto de carinho: adora Elisa em silêncio. Ela respeita-lhe os sentimentos. Trinta anos mais tarde, numa carta apaixonada, Flaubert finalmente declarou que a amava. Embora viúva, não quis esposá-lo. O amor impossível e constante inspirou-lhe quatro livros: Memórias de um Louco (1838), Novembro (18'42) e as duas versões de A Educação Sentimental. Na primeira versão, escrita em 1845, ainda sob o impacto de sua experiência amorosa, o jovem Flaubert confere um desenlace feliz a sua paixão, acreditando ainda que, para conquistar a felicidade, bastaria desejá-la com toda a força. Anos mais tarde, ao redigir a segunda versão da obra (1869), reconhece o engano: de sua mocidade. Inicia o livro com uma saudosa evocação de Elisa Schlesinger (a Sra. Arnoux do romance) e termina com a melancólica despedida de Frederico Moreau (nome que atribui a si próprio no enredo).

Elisa Schlesinger
Embora infeliz no amor e ávido de escrever, Flaubert compreende a necessidade de cumprir os desejos paternos: diplomar-se advogado. Vai para Paris em 1840, ao dezenove anos, estudar. Sem entender nada das aulas nem dos compêndios, cursa a faculdade. Deixa crescer a barba, fuma cachimbo sem parar, vai ao teatro sempre, freqüenta bons restaurantes, gasta despreocupadamente todo o dinheiro que o pai lhe manda.

A reprovação nos exames, no entanto, abalam Flaubert, e o faz ter o primeiro ataque nervoso. E é esse ataque que faz com que os pais desistam de insistir para que ele conclua os estudos. Flaubert, então, abandona o curso e vai morar com a família na vila de Croisset, à margem do Sena. Ali passa o resto da vida, e assiste, no espaço de três meses, à morte do pai e, da irmã Caroline, falecida em 1846, aos 22 anos, após dar à luz uma, menina.

Os anos passam. Em 1846 Gustave Flaubert conhece a flamejante Louise Collet. Separada do marido, mãe de uma adolescente, amante do filósofo Vítor Cousin, sucumbe de imediato à atração pelo escritor e com ele vive uma tempestuosa aventura.

As Tentações de Santo Antônio
A grande paixão de Flaubert, no entanto, continua sendo a literatura. Considera mais emocionante encontrar uma bela frase que amar uma bela mulher. Ao observar um fato interessante, ao experimentar novas emoções, fixa-as imediatamente num livro de notas, para usá-las mais tarde. Tal aspecto mostra o pendor de Flaubert para a escola literária realista, fato que o salva de cair nos exageros sentimentais característicos de alguns românticos decadentes.

Não é o caso de Flaubert. Sob forma precisa e realista, revela um tédio em muito semelhante ao "mal do século" que, tendo sido desencadeado por Goethe, atingiria Chateaubriand, Alfred de Vigny, entre outros.

Demonstra ainda forte amor à natureza, lírico, sentimento da paisagem, fantasias idílicas. Transfere para si os dramas vividos por seus protagonistas. Ao concluir Madame Bovary, declara: "Quando escrevi a cena de envenenamento senti na boca o gosto do arsênico, senti-me envenenado. Tanto que tive duas indigestões seguidas, duas indigestões reais...".

Madame Bovary
Flutuando entre um programa realista e o temperamento romântico, Flaubert acaba tão mergulhado na atividade literária que não cuida mais de Louise nem percebe as transformações políticas da França. Em1848 rompe com a amante. O rei Luís Filipe entrega o poder a Napoleão Bonaparte. Flaubert aceita o fim da aventura amorosa sem sofrimentos e observa imperturbável os sangrentos episódios políticos. Quando muito se aborrece com a violência que testemunha. Não se envolve. Apenas registra alguns fatos que mais tarde relatará em suas obras. O que consegue sacudi-lo profundamente nada tem a ver com a revolução ou com Louise Collet: a morte do amigo Le Poittevin. O próprio Flaubert fecha-lhe os olhos. É uma dor imensa, que abala sua saúde. Seguindo conselho médico, parte em viagem para o Oriente em outubro de 1849, onde pretende ficar por dois anos. Mas meses depois está de volta.

Antes de viajar, começara a redação de As Tentações de Santo Antônio, obra inspirada num quadro do pintor flamengo Bruegel, mas o amigo Du Camp não aprova a peça. Decepcionado, pois esperava uma reação mais entusiasmada, abandona a obra, para retomá-la apenas em 1869.

Casamento de Emma
Aos trinta anos, o romancista pouco tem da beleza da juventude. A doença, o afã de escrever, a viagem ao Oriente e o desencanto amoroso aniquilaram-lhe a beleza. O rosto agora está sulcado de veias vermelhas. A boca oculta-se atrás de grossos bigodes. Os cabelos rareiam. Mesmo assim, Louise Collet ainda o procura. Entra, um dia, abruptamente, em sua casa de Croisset em busca do antigo calor e do casamento. Flaubert, irritado e, impaciente, expulsa:'a sem rodeios. Logo após, no entanto, reata com ela uma longa correspondência. Nela, muitos de seus planos e idéias ficam registrados para sempre.

Em junho de 1951, após longo períod9 de inatividade, Flaubert inicia a composição da mais famosa de suas obras: Madame Bovary, que o tornará em pouco tempo um dos mais célebres romancistas da França. São cinco anos de trabalho, e finalmente Madame Bovary começa a ser publicada na Revue de Paris a partir de outubro de1856, porém com cortes das cenas mais picantes. Alguns meses mais tarde, ainda que sem as cenas que certamente provocariam a cólera das autoridades, a censura decide suspender a publicação de Madame Bovary e processar o autor. A justificativa oficial é a "imoralidade" da obra. A verdade, porém, é que o romance ataca a moral burguesa, posta a nu em sua fragilidade, convencionalismo e falsidade, através da caracterização da vida monótona e sem atrativos da província.

Caricatura do século XIX
Flaubert tenta abafar o processo, recorrendo a amigos influentes. Em vão! Em janeiro de 1857, ao 36 anos, senta-se no banco dos réus. Oito dias depois, porem,é absolvido, e o livro, editado na íntegra, esgota-sé em pouco tempo.

Muitos querem saber em quem Flaubert se inspirou para compor Ema Bovary. Diante da insistência de todos, declara: "Madame Bovary sou eu". A frase, encarada como gracejo na época, encerra muita verdade. Como Ema, Flaubert procurava fugir à mesquinhez cotidiana e sonhava com amores irreais, ansiando por uma existência mais plena.

Com o passar dos dias a fama acaba por cansar Flaubert. E ele volta a Croisset em 1857 para trabalhar em Os Mercenários. Concluída a obra, viaja para o Oriente. Começa a escrever - e- publicar em capítulos - ainda nesse ano a obra Salammbô, que não é sucesso nem de crítica nem de público. Como que para esquecer o fracasso de Salammbô, reescreve A Educação Sentimental.

Corre o ano de 1870. A França sofre a invasão prussiana. Eclode a guerra entre França e Alemanha. A queda da pátria representa, para Flaubert, apesar do seu indiferentismo político, "a chegada do fim ,do mundo".

O escritor volta a padecer dos ataques epilépticos da juventude. O pai já não está presente para tratá-lo com sangrias e dietas. O amigo Bouilhet morrera, assim como a mãe de Gustave. Elisa Schlesinger, viúva, encontra-se recolhida a um asilo de loucos. Flaubert só tem a companhia da sobrinha, e, em visitas breves, a do romancista Émile Zola,do jovem contista Guy de Maupassant e do escritor russo Ivan Turgueniev.

 Jennifer Jones no filme de 1949
A vida, que para ele nunca tivera atrativos, é agora um tédio infinito. A única distração ainda é escrever. Aos 55 anos, Flaubert elabora um conto que é uma obra-prima: Um Coração Simples. A morte de Louise Collet o deixa mais s6. Começa a escrever Bouvard et Pécuchet, mas não consegue concluí-lo. Padece de terríveis sofrimentos físicos. A mão não tem mais firmeza. A palavra certa não lhe ocorre mais. Finalmente, um ataque de apoplexia dá-lhe o golpe mortal. O tédio dissolve-se, a vida pára. Num dia de primavera de 1880, o romântico mestre do Realismo francês resolve suas inquietações. Mas não lhe havia sobrado tempo necessário para cumprir a promessa que fizera a um amigo: "Um dia, antes de morrer, resumirei minha vida, tentarei contar-me a mim mesmo".

Leon Tolstói


Faz mais de meio ano que ingleses e franceses investem, sem trégua, contra Sebastópol. A cidade sitiada não se rende. Seu drama diário inspira os jornais da Rússia, penetra nos salões da nobreza, faz chorar o povo simples.

Instalada em seu palácio, Maria Alexándrovna ouve as notícias e se comove. Porém nunca lhe viera aos olhos uma lágrima pela sorte de Sebastópol. Até que um dia caem-lhe nas mãos três histórias de luta - três pequenos contos de um soldado desconhecido; pela primeira vez, desde o começo da guerra, a czarina abandona-se em um longo pranto. Leon Tostói. O nome não lhe é totalmente estranho. Lembra-se de tê-lo ouvido ligado a uma família de aristocratas, mas não tem certeza. Põe, então, os secretários da corte à procura de mais dados.

Tolstói, pai, morrera em 1837. Viúvo, deixara cinco filhos: Dmítri, Sérgio, Nicolau, 'Maria e Leon, este nascido em agosto de 1828. Tia Alieksandra Osten Sacken incumbira-se de cuidar das crianças.

Nesse tempo é moda entre os nobres estudar com professores estrangeiros. Não fica bem um aristocrata expressar-se em russo como qualquer camponês, e Aleksandra contrata um preceptor alemão para os sobrinhos.

Casa em Iásnaia onde nasceu
Quatro anos dura o encargo de tia Aleksandra, na cidade de lásnaia Poliana. Em 1841 ela morre, e os meninos são entregues aos cuidados de outra irmã de seu pai, Pielagueia, que mora em Kazan. É uma mulher severa e áspera, de rígidos princípios morais. Assim que põe os olhos em Leon, decide fazer dele um militar; como alternativa, pode ser diplomata.

Em 1844, aos dezesseis anos, Leon vê-se estudando línguas orientais na Universidade de Kazan. Mas revela-se uma decepção para Pielagueia: nem se porta de acordo com o manual de boas maneiras da aristocracia nem se distingue nos estudos. Transfere-se então para o curso de direito, mas é reprovado nos primeiros exames. Desiludido com a escola e cansado de ouvir as recriminações da tia, retoma a. Iásnaia Poliana em 1847. Porém o tempo que fica naquele lugar desolado é pouco. Meses depois vai para Moscou. Essa cidade, contudo, também parece não ter muito a lhe oferecer.

Em 1849, aos 21 anos, parte para São Petersburgo, e aí retoma o curso de direito. Não se distingue como aluno, e sim como farrista de primeira e namorador incorrigível. Instável, nem as noites nem as mulheres conseguem retê-lo. Meses mais tarde volta a Iásnaia Poliana. Começa a ler a Bíblia e as obras de Jean-Jacques Rousseau. Ao terminar as leituras, sente-se ainda mais inquieto.

Combates no Cáucaso
Seu irmão Nicolau acaba de voltar do Cáucaso, onde estivera em combate. Os relatos de suas aventuras despertam em Leon o desejo de partir para a luta.

Em 1851 está no Cáucaso, combatendo com bravura. Encorajado pelos elogios.e encantado com a vida militar, presta exame em janeiro de 1852 para ingressar no Exército e é admitido. Ao mesmo tempo publica os capítulos de A História da Minha Infância, em relato autobiográfico de sua meninice, na revista O Contemporâneo, de São Petersburgo.

Dois anos depois explode a Guerra da Criméia, conflito que opôs França, Inglaterra, Turquia e o Piemonte à Rússia. Tolstói é designado para lutar em Sebastópol, onde compõe os contos que tanto comoveriam a rainha Mari Alexándrovna.

Volta a São Petersburgo depois do final da guerra e é recebido como herói. O tempo que fica ali é pouco. Em 1857 parte para o exterior - Alemanha, França, Itália, Suíça.

Dois anos depois, volta a Iásnaia Poliana carregado de livros e de idéias formigando na cabeça. Sente urgência em fazer algo pela Rússia, e acha que deve começar pelos que lhe estão mais próximos: os servos. Preocupa-se sobretudo com o analfabetismo, e em 1859, aos 31 anos, funda em sua propriedade uma escola para crianças e adultos. Como lhe falta conhecimento de pedagogia, vai para Dresden estudar. Antes de reiniciar suas atividades de professor, detém-se em Hyeres, sul da França, onde seu irmão Nicolau tenta curar-se de uma enfermidade pulmonar. Ao lado dele começa a escrever Os Cossacos (1863), reminiscência de sua estada no Cáucaso.

Uma foto rara do  jovem Leon
Apesar dos cui4ados médicos, Nicolau sucumbe à doença, o que abala Leon profundamente. Em vez de voltar à Rússia, reúne-se a amigo Alexandre Herzen em Londres, e é aí que festeja a emancipação dos servos decretada por Alexandre 11. É uma grande vitória dos ocidentalistas, que combatem o isolamento da Rússia, a monarquia e a servidão e lutam por uma aproximação cada vez maior com o Ocidente.

Leon, um ocidentalista convicto, volta a lásnaia Poliana, aos 34 anos, e põe-se à disposição do governo. Trabalha como juiz de paz da província, com o encargo de contornar possíveis problemas entre proprietários e antigos servos, quando se surpreende a contemplar Sófia Andriêievna corri um novo olhar. Conhece-a desde criança, mas agora, aos dezessete anos, ela lhe parece adorável. O escritor tem o dobro da idade da jovem, mas isso não chega a ser obstáculo, e o casamento realiza-se em setembro de 1862.

A felicidade de Tolstói seria completa se ele não tivesse de fechar a escola em 1863 e suspender a publicação que havia fundado logo depois do casamento.

As dificuldades financeiras levam Tolstói a encarar a literatura como um meio de vida. Quer escrever algo grandioso, e a resistência às invasões napoleônicas do início do século dezenove são pano de fundo para o romance Guerra e Paz, que começa a ser escrito em 1863 e só é concluído em 1869. Os primeiros capítulos começam a ser impressos em 1865 no Mensageiro Russo.

Servos camponeses
À medida que a narrativa evolui, o entusiasmo dos leitores aumenta. Guerra e Paz propicia-lhe os lucros pretendidos, e dessa forma consegue reabrir a escola de lásnaia Poliana, tempo para ler Goethe, Cervantes e Dickens e estudar grego para conhecer llíada no original.

É 1875. Numa pequena aldeia perto de lásnaia Poliana nada acontece que consiga sacudir o marasmo daquela gente. Todo o divertimento é reunir-se na estação, uma vez ou outra, e ver passar o trem, que raramente deixa algum passageiro. Um dia corre sangue sobre os trilhos. A aldeia se agita. Uma mulher, sobrinha e amante de um homem poderoso da aldeia de Iássienki, desesperada com sua vida amorosa, joga-se à linha do trem. Tolstói parte imediatamente para a vila, quer ver o cadáver. Decide investigar as razões que teriam -levado a mulher ao suicídio. Há tempo pretende escrever a história de uma dama da alta sociedade russa envolvida numa trama de paixões e decadência. O suicídio da mulher fornece-lhe o desfecho para seu romance e o perfil para a protagonista. E Ana Karênina ganha vida.

Publicado de 1875 a 1877 no jornal Mensageiro Russo, Ana Karênina agrada intensamente ao público e provoca variadas reações entre os críticos. Dentre os grandes romancistas russos, o único a aplaudir irrestritamente o livro é Dostoiévski.

Menino pobre russo





Críticas e elogios deixam o autor indiferente. Suas preocupações haviam ultrapassado os limites da arte para concentrarem-se em problemas morais e religiosos. A pergunta sobre o sentido da vida repete-se em seu cérebro com insistência cada vez maior. Não pode continuar adiando a procura da resposta. Busca-a na religião ortodoxa, convive em mosteiros com monges, estuda os evangelhos: nenhuma explicação o satisfaz.

Em 1886, aos 58 anos, por insistência da mulher e dos admiradores, temerosos de que ele abandone a literatura, Tolstói abre um parêntese em suas investigações religiosas para escrever A Morte de Ivan Ilitch. O herói é um funcionário bem-sucedido, casado com uma boa moça e que vive como todos esperam que viva. Um dia sofre um acidente, os médicos não conseguem curá-la, o homem definha lentamente. Todos se afastam dele, exceto um pobre servo que o assiste na agonia. Ivan Ilitch, em meio ao sofrimento, percebe a falsidade de sua vida e deseja libertar-se dos seus enganos antes de morrer. Confusamente, descobre na caridade a verdadeira chave da salvação.

A conclusão à qual chega o personagem é aplicada na prática pelo autor, em 1891. O verão fora rigoroso, os campos russos estavam secos, os lavradores, desesperados. O governo veta qualquer iniciativa particular de ajuda aos flagelados. Tolstói, ignorando a proibição, organiza postos de serviços, recolhe fundos, faz campanhas por meio de artigos veementes.

Contudo, nem sempre o romancista vive de acordo com as idéias que professa. Em Sonata a Kreutzer, publicado em 1889, por exemplo, prega a abstinência sexual entre os casais. No mesmo ano da publicação nasce-lhe o décimo terceiro filho; aconselha o desapego dos bens materiais, mas a mulher e os filhos não lhe permitem vender as propriedades; deseja viver como mendigo e tenta uma experiência desse tipo, mas logo o reconhecem e o excluem do convívio com os pobres.

Vivien Leigh em Anna Karenina de 1948
A atitude de Nicolau II fornece-lhe a oportunidade de praticar seus ideais. O povo anda insatisfeito com o czar; alguns desejam partir para a América, mas nem todos têm recursos suficientes para isso. Tolstói, então, volta à literatura com o objetivo de angariar fundos para .a emigração dos insatisfeitos. Publica, em 1899, aos 71 anos de idade, Ressurreição, a história de uma camponesa que, seduzi da e, depois, abandonada pelo filho da patroa, torna-se prostituta.

A Igreja Ortodoxa russa vem seguindo atentamente a evolução do tolstoísmo e não vê com bons olhos as pregações do' mestre. Ressurreição parece ter sido a gota decisiva que provoca o rompimento com o escritor. Em 1901 Tolstói é excomungado. O país inteiro protesta. Mas o romancista limita-se a reafirmar seu próprio credo. Achara, enfim, respostas para suas dúvidas. Agora só o preocupa a saúde debilitada. No verão desse mesmo ano parte para a Criméia, a conselho médico. Acompanha a 'declaração de guerra.entre Rússia e Japão a distância. Com a derrota, a Rússia perde a ilha de Sacalina, milhares de soldados e qualquer pretensão sobre a posse da Coréia. O descontentamento popular explode no ano seguinte, nos episódios do "Domingo Sangrento", de Moscou, quando mil operários são mortos pela guarda czarista, e na revolta do couraçado Potemkin.

Greta Garbo na versão de 1935
Cansado e enfermo, aos oitenta anos Tolstói redige um artigo vibrante de indignação, que a censura imperial veta. Não Posso Calar, contudo, sai impresso em jornais estrangeiros, despertando, a consciência da Europa para os problemas russos.

Apesar da severa vigilância, o artigo circula na Rússia de maneira clandestina. A polícia nada pode fazer contra Tolstói - velho e amado -, mas sai à caça dos que participam da veiculação do escrito e prende quantos pode.

Rebeliões, matanças, enfermidades, disputas - os últimos anos de Tolstói transcorrem dolorosos. Sófia começa a atormentá-lo para morar na corte. Pressionado de tal modo que em outubro de 1910 o escritor foge de casa. Conforme declara, deseja viver em solidão e recolhimento os últimos dias "da minha existência". Pressentindo que não seriam muitos esses dias, leva consigo Aleksandra, a filha mais querida, e o médico Pietróvitch, um velho amigo. Pretende tomar o rumo do sul, mas o corpo cansado não consegue ultrapassar a aldeia de Astápovo.

Tolstói em 1906
A notícia da fuga espalha-se rapidamente. A pequena vila inunda-se de discípulos, admirador, fotógrafos, cinegrafistas. O escritor permanece encerrado em seu quarto, esperando mansamente a morte. Na manhã de sete de novembro a espera acaba. Dois dias depois Tolstói é enterrado no bosque onde brincara na infância, em lásnaia Poliana. Ninguém lhe constrói monumentos nem lhe grava lápides. Seu túmulo é um elevado de terra, coberta de grama. Leon Tolstói não desejara mais que isso.

Oscar Wild


Excelente médico, a reputação do Dr. William Robert Wills Wilde levou-o a ser nomeado cirurgião-oculista da rainha Vitória. Sua mulher, Jane Francesca Elgee, tinha porte de rainha e ideais revolucionários. De sua pena saíram torrentes de retórica e um escrito bastante inflamado - Jacta Alea Est, firmado com o pseudônimo Speranza, que lhe deu notoriedade.

O Dr. Wilde tinha 36 anos quando se casou com Jane, de 25. Dessa união nasceram três filhos: William, Oscar - em 16 de outubro de 1854 - e Isola. Jane queria que o segundo filho fosse uma menina. Recusou-se a aceitar o nascimento de mais um homem: por isso vestia-o com roupas femininas e tratava-o como a uma garota.

Constance Wilde
A casa dos Wilde, em Merrion Square, Dublin, era um, centro aberto aos boêmios e literatos. Os boêmios, a convite do Dr. William: Os outros eram convidados de Jane, que estava decidida a se tornar inspiradora dos gênios literários.

Embora nunca tenha sido visto estudando com afinco, Oscar sempre obteve notas brilhantes. De 1864 a 1871 freqüentou a Portora Royal School, tradicional colégio protestante onde estabeleceu as bases de sua formação clássica. Durante os sete anos que ali passou, destacou-se não só pela inteligência mas pelos Cabelos compridos, pela excentricidade das atitudes e das roupas. Não era muito querido dos colegas, mas parecia não se importar com isso! No fim do curso ganhou a medalha de ouro como o melhor aluno do ano.

Em outubro de 1871 foi para o Trinity College, em Dublin, onde continuou a trajetória iniciada em Portora. Ao sair, levava uma medalha de ouro e a amizade do professor John Pentland MahafIy, considerado 'o maior helenista de seu tempo.

Três anos depois Wilde partiu para Oxford. Ganhou uma bolsa de estudos no Magdalen College e repetiu com a mesma facilidade seu brilhante desempenho. Em 1875 realizou uma peregrinação de arte pela Itália: visitou Milão, Pádua, Veneza e Verona. Em novembro desse mesmo ano fez sua estréia como autor na revista da Universidade de Dublin, com a peça Choros oi Clou Maidens (Coro das Donzelas de Nuvens), uma adaptação de As Nuvens, de Aristófanes.

Em Oxford: casaco de veludo e cabelos longos
O período de Oxford terminou com uma grande vitória: o Prêmio Newdigate de Poesia, em 1878, por seu poema Ravena. Na verdade, mais do que a obra em si, o que impressionou Os membros da universidade foi a apresentação segura e a declamação dos versos, num estilo muito aplaudido.

Quando saiu de Oxford, Wilde estabeleceu-se em Londres e atirou-se à luta pela glória. Apresentava-se em público com seus longos cachos, casaco de veludo, camisa larga de colarinho baixo, gravata de cores extravagantes. Na mão ou na lapela, sempre um lírio ou um girassol.

Graças a -algumas importantes amizades, Wilde penetrou na alta sociedade, apesar de não possuir dinheiro suficiente que lhe permitisse manter um ritmo de elegância e brilho social. Foi nesse ambiente que conheceu a deslumbrante Lily Langrry, famosa em Londres pela beleza: Por seu intermédio viveu sua primeira grande aventura em busca do belo e do amor.

Sob a pressão da necessidade financeira, em 1880 escreveu uma peça - Véra -, que não obteve o menor sucesso, e no ano seguinte uma coletânea de versos - Poemas -, que recebeu a consagração do público; em quatro semanas passou por quatro edições. Deixando o fracasso e o êxito, Wilde partiu para Nova York na véspera do Natal de 1881, a fim de realizar uma série de conferências na América do Norte. Atravessou os Estados Unidos em todas as direções; falou aos mais variados auditórios; esteve preso por quebra de contrato e ,foi roubado por. jogadores de pôquer.

Dos Estados Unidos dirigiu-se para o Canadá, onde visitou Quebec, Montreal e Toronto. Antes de terminar sua aventura norte-americana, conheceu Marie Prescott e seu marido,que no ano seguinte montaram a peça Vera. Em janeiro de 1883 voltou à Inglaterra. Em seguida viajou para Paris, onde passou três meses e conheceu muita gente importante. Sarah Bernhardt, por exemplo, demonstrou simpatia e admiração pelo visitante. Mas a pessoa mais importante que ele conheceu em Paris foi Robert Sherard, que se tornaria seu maior amigo. Apesar da intensa vida social, Wilde conseguiu terminar duas obras em Paris: o poema A- Esfinge e a peça A Duquesa de Pádua, recusada pelo teatro.

O Retrato de Dorian Grey
Em agosto de 1883 foi pela segunda vez aos Estados Unidos, para assistir à estréia de Véra. No entanto, o melodrama não foi bem recebido pelo público e saiu de cartaz na primeira semana de exibição. De volta à Grã-Bretanha Wilde recomeçou seu trabalho de conferencista. Numa dessas conferências, em Dublin, conheceu Constance, única herdeira de uma grande fortuna. Além de bela e rica,  moça era amável, tranqüila, de natureza suave e submissa. No dia 29 de maio de 1884 Wilde e Constance casaram-se na Igreja de St. James, Paddington. Do casamento nasceram dois filhos: Cyril em 1885, que morreria em ação durante a Primeira. Guerra Mundial, e Vyvyan em 1886, que sessenta anos mais tarde iria dirigir a publicação do texto integral de De Profundis.

Em 1886 Wilde conheceu o jovem Robert Ross, em Oxford, e logo em seguida, levado por ele, iniciou as "experiências" homossexuais que se tornariam um hábito apartir de 1889.

Até aí o casamento ia bem. Wilde era um marido apaixonado e um pai dedicado. Pela primeira vez consentiu em ser um assalariado, com a função de dirigir a revista feminina Womans World. De 1887 a 1889 ocupou-se dessa tarefa, além de ter colaborado em vários periódicos de projeção nos meios literários. Como um chefe de família suburbano, viajava de trem, obedecia aos horários e deixou de fumar por exigência da revista. Era eficiente e consciencioso, sentia-se feliz. Entretanto, a monotonia desse tipo de vida começava a pesar sobre ele. Dessa forma, passou a chegar mais tarde ao emprego e a sair mais cedo. Em 1889 terminou o contrato, e ninguém falou em renová-lo. Seu orçamento ficou abalado, e ele viu-se obrigado a fazer inúmeras visitas às casas de penhor.

Esse período marcou o início de sua produção literária mais intensa. Colaborou em várias revistas de projeção e escreveu O Retrato de Dorian Gray, para o Lippincotts Magazine. O primeiro capítulo apareceu em junho de 1890. Em março de 1891 a obra saiu em volume.

É a história de um jovem belíssimo, Dorian Gray, que apaixonadamente cultua a beleza e o prazer. Basílio Hallward, um pintor seu amigo, presenteia-o com um retrato que o reproduz no auge da juventude. Em virtude de certo voto mágico; as vicissitudes não deformam o rosto vivo e perfeito de Dorian Gray; apenas o retrato sofre a passagem do tempo. O romance não foi bem-recebido pelos críticos, principalmente pelos moralistas, que o consideraram uma obra "envenenadora dos costumes".

Wilde e o jovem Bosie
O escritor, no entanto, afirmava que sua obra era moralmente perfeita. Os críticos, porém, parecem não se ter dado ao trabalho de analisar profundamente as idéias do escritor. Wilde, por sua vez, tinha outras preocupações. Além de pregar a "arte pela arte" e de afirmar a superioridade do artista, ele estava começando a se interessar seriamente pelo teatro.

Foi George Alexander, do St. James Theatre, quem reavivou em Wilde a idéia de se tornar famoso como teatrólogo, apesar das infelizes experiências anteriores. Com cem libras adiantadas por Alexander, o escritor partiu para a região dos Lagos, na Escócia, de onde retomou com o texto de O Leque de Lady Windermere, em 1892.

Animado com o sucesso, começou a escrever Salomé, única obra de . um dramaturgo inglês escrita em francês. Sarah Bernhardt ia representá-la, em Paris: Entretanto, as vésperas da estrela, a censura proibiu o espetáculo. Em 1894 Salomé foi publicada em língua inglesa, e dois anos depois Sarah Bernhardt finalmente pôde representar nos palcos franceses essa peça, considerada um estudo sobre a maldade, uma obra-prima de sadismo.

 O sucesso de uma peça constituiu estímulo suficiente para Wilde continuar escrevendo. Seu tempo e mais o dinheiro ganho com os direitos autorais eram dedicados a divertir Alfred Douglas, conhecido como Bosie, um belo jovem de vinte anos que ele conhecera em 1891, Naquela época o culto do hossexualismo estava em moda entre os rapazes, sobretudo entre os mais dotados de qualidades artísticas. Desse grupo, Bosie era líder absoluto.

Programa da peça Salomé
A segunda comédia de Wilde, Uma Mulher sem Importância, foi apresentada pela Companhia de Berbohm Tree no verão de 1893, com enorme sucesso. Durante os ensaios Tree recebeu uma cópia de uma carta de Wilde em que elogiava os lábios róseos de Alfred Douglas. Considerando-a perigosa, mostrou-a ao escritor, que, sem dar importância ao fato, atirou-a para um lado. Era o início de seus aborrecimentos. Pouco depois começou a ser ameaçado por chantagistas.

E quanto toda Londres comentava sobre Oscar Wilde e o "menino", com quem andava, o escritor concluía a peça Um Marido Ideal, que estrearia no início de 1895. Mal saíra de cartaz quando Wilde passou a trabalhar em The Importance of Being Earnest, Essa é a última e a melhor de suas comédias. "Na noite de estréia, 14 de fevereiro de 1895, um grande público atravessou ruas cobertas de neve para chegar até o" teatro.

Nesse mesmo mês, sentindo-se ofendido pelo pai de Bosie, John Sholto Douglas - o marquês de Queensberry -, que o acusara de sodomia, Wilde resolveu levá-lo ao tribunal por crime de difamação. O marquês foi intimado a "apresentar-se a julgamento em Old Bailey. E, enquanto procurava provas para prepara.r sua defesa, Wilde irresponsavelmente partiu com Bosie para o sul da França.

No julgamento, o aristocrata foi declarado inocente, e o escritor, sob a acusação de praticar delitos contra pessoas do sexo masculino, foi detido. Seu advogado pediu permissão para prestar fiança, mas o magistrado a negou, baseando sua recusa na gravidade do caso. Entretanto, o julgamento foi adiado e Wilde ganhou liberdade por três semanas. Os amigos aconselharam-no a fugir para o continente. Aturdido e exausto, ele deixou-se ficar. Não tinha dinheiro nem para pagar o advogado. Seus livros foram retirados do mercado, e suas peças, dos teatros. Sua casa foi vendida e, durante o leilão dos bens, pilhada pelas pessoas presentes.

No dia 25 de maio de 1895 Oscar Wilde foi condenado a dois anos de trabalhos forçados. Suas obras não podiam sequer ser mencionadas em sociedade. Nada ficou de seus dias de glória, luxo e elegância.

Aubbrey Beardsley ilustra Salomé
A única coisa que lhe amenizava o sofrimento na prisão eram as eventuais visitas do amigo Robert Sherard, da esposa, Constance; e do advogado R. S. Haldane, que se havia interessado por ele. Haldane conseguiu-lhe pena, tinta e alguns livros. Wilde havia cumprido quase metade da pena quando soube da morte de sua mãe.

Nos últimos dias de cárcere Wilde escreveu a obra que encerra sua produção em prosa, publicada anos mais tarde sob o título De Profimdis. Era uma longa carta de reprovação endereçada a Alfred Douglas, a quem acusava de ter contribuído para sua queda e ruína. Apesar de não demonstrar nenhum arrependimento pela conduta que

provocara sua condenação, o autor descreve a si mesmo. como um homem de caráter fraco, de natureza benevolente e comodista. Em outros trechos, discute assuntos de arte e filosofia e fala de suas crenças e descrenças.

Uma vez em liberdade, era certo que não poderia continuar na Inglaterra. Os poucos amigos que lhe restavam cuidaram de preparar sua instalação na. França. Wilde não tinha mais lar. A esposa e os filhos estavam distantes, com as identidades disfarçadas.

Foi viver sozinho em Berne Val, vila pesqueira na costa da França, com o nome de Sebastían Melmoth. Para distrair-se, voltou a trabalhar. Escreveu duas cartas sobre a vida no cárcere e começou a Balada da Prisão de Reading. Depois de muitas cartas e telegramas, acabou concordando em encontrar-se com Bosie: tomou um trem para Nápoles e, após uma curta permanência no Hotel Royal, alugou uma casa em Posillipo, a Villa Giudice, onde viveu com Alfred durante três meses.

Salomé por Aubbrey Beardsley
Seu tempo em Posillipo foi gasto também na complementação e na revisão da Balada da Prisão de Reading, seu melhor poema. Escrita numa linguagem simples, com frases curtas e imagens puras, a Balada impressiona por um realismo vivo, no qual é descrito o horror dos condenados em suas celas.

Como nenhuma firma respeitável quisesse editá-lo, o poema foi entregue a Smithers - que trabalhava com livros de pornografia e "publicava, tudo aquilo de que os outros tinham medo". A obra foi impressa sem o nome do autor. As duas primeiras edições, de oitocentos exemplares, esgotaram-se rapidamente.

Wilde estava em Paris quando, na primavera de 1898, já separado de Bosie, soube da morte de Constance. Em março do ano seguinte faleceu seu pai, com quem não mantinha relações de amizade havia muito tempo. Meses depois encontrou-se com Robert Sherard; às vezes avistava-se com Douglas, que nessa época vivia em Paris. O círculo de amigos diminuía cada vez mais. As pessoas respeitáveis sentiam-se ofendidas por sua embriaguez e outros hábitos. No outono de 1900 o escritor começou a queixar-se, de dores de cabeça, que, com o passar dos dias, pioraram até se tornar insuportáveis.

Mesmo após uma pequena operação no ouvido, que serviu para amenizar as dores, sua situação continuava delicada. Alguns dias depois o abscesso do ouvido provocou uma inflamação no cérebro.

No dia 30 de novembro de 1900 Wilde entrou em coma e perdeu a consciência. Seu último desejo havia sido atendido: ser recebido na Igreja Católica Romana. Eram quase duas horas da tarde quando faleceu.

O dandy cínico
O serviço fúnebre realizou-se na Igreja de Saint-Germain-des-Prés. O cortejo entrou na igreja por uma obscura porta lateral. Os sinos não repicaram. Foi rezada uma missa simples. Os restos mortais foram levados para o Cemitério de Bagneux, nos arredores de Paris. Por nove anos apenas ama inscrição com o nome e as datas indicava seu túmulo. Somente em 1909, quando todas suas dívidas foram pagas, é que o trasladaram para um lugar de honra no Pece Lachaise. Sobre o túmulo foi erguido um monumento. Wilde seria lembrado para sempre.

Alexandre Duma Filho


Sob reinado de Luís XVIII, neto de Luís XV, a França vive um momento político de grandes definições. Napoleão Bonaparte, em 1815, é finalmente derrotado pelos ingleses e enviado à ilha de Santa Helena. A França recupera seu prestígio internacional e vive um período economicamente próspero. Com a morte de Luís XVIII, em 1824, sobe ao trono seu irmão Carlos X.

Nesse mesmo ano, em 27 de julho, nasce em Paris Alexandre Dumas, conhecido como Dumas fils, filho natural do escritor Alexandre Dumas père- célebre autor de O Conde de Monte Cristo e Os Três Mosqueteiros, entre outros , e da costureira Marie-Catherine Labay.

Alexandre Dumas Pai
Quando criança, Dumas é vítima de provocações maldosas dos colegas, que o chamam de "bastardo". A triste lembrança desse período o acompanharia até o fim da vida.

Quando Alexandre Dumas pai, em 1831, alcança o auge de sua reputação literária e, conseqüentemente, uma situação financeira estável, reconhece publicamente a paternidade e exige a guarda do filho. A mãe tenta fugir com a criança, mas não consegue.

O pequeno Dumas é bastante parecido com o pai, mas apenas nos traços. Sua constituição física é diferente, e ele possui uma expressão séria e pensativa e um temperamento calmo e disciplinado.

Alexandre Dumas esmera-se na educação do filho e matricula-o em colégios renomados, como a Institution Goubaux e o College Bourbon. Ao descobrir que herdara do pai a imaginação brilhante e o talento intelectual, Dumas decide abandonar os estudos para dedicar-se à literatura. Com dezesseis anos manda imprimir uma coleção de versos intitulada Pecados da Minha Juventude.

Edição espanhola de 1883
da Dama das Camélias
Em janeiro de 1842, com dezessete anos, acompanha o pai em uma viagem à Itália. No ano seguinte retoma ao colégio para concluir os estudos. Dumas filho têm, nessa época, enormes dívidas.

Em 1844 Dumas pai separa-se da esposa, e o filho passa a ser seu companheiro.
Dumas o introduz na sociedade dos artistas e escritores franceses, e juntos vão ao teatro, a festas e a recepções de gala. É numa dessas ocasiões que Dumas filho conhece Marie Duplessis, uma jovem cortesã da sua idade, por quem ele se apaixona. Mas Marie está gravemente doente, acometida por tuberculose. Duplessis é amante de altas personalidades, mas isso não o impede de sentir por ela um grande e verdadeiro amor. Dumas está deslumbrado por sua elegância e sua vida de luxo.

Logo depois Dumas parte na companhia do pai em uma demorada viagem à Espanha e à África. Em fevereiro de 1847, no caminho de volta, ao passar por Marselha ele recebe a notícia do falecimento de Marie
Cartaz de 1853 para a ópera
de Giuseppe Verdi
Nesse mesmo ano Dumas escreve As Aventuras de Quatro Mulheres e um Papagaio e vários outros romances. Inspirado em Marie Duplessis, ele cria a personagem Marguerite Gautier, na célebre obra A Dama das Camélias, que retrata o trágico relacionamento amoroso de uma cortesã com o jovem parisiense Armand Duval. Publicado em 1848, esse romance reflete a mudança de conceito sobre o amor e a família em meados do século XVIII.

A história tem uma repercussão discreta. Dumas decide adaptá-la para uma peça de teatro; porem, no início, as companhias teatrais e os atores se recusam a montá-la por considerá-la imoral. Finalmente, em 1852, ela é representada no Théâtre du Vaudeville e alcança êxito imediato, não só na França, mas também em outros países da Europa e 'na América do Norte. É como se o público se identificasse imediatamente com o drama da heroína. O sucesso estrondoso de A Dama das Camélias possibilita a Dumas saldar parte de suas dívidas e ajudar a mãe.

Há um fato curioso a respeito dos nomes dos principais personagens dessa obra. Próximo à sepultura de Marie Duplessis há um túmulo com o nome "Marguerite Gautier" gravado na lápide. É possível que o nome da personagem de seu romance tenha vindo daí, durante uma visita de Dumas ao cemitério. Além disso, existe também uma semelhança entre o nome do personagem Armand Duval e o seu próprio, Alexandre Dumas.

Ilustração de 1883
para a Dama das Camélias
Em 1852 Dumas, filho começa a ter um relacionamento com Nadine Naryschkine, casada com o embaixador da Rússia na França, príncipe Alexandre Naryschkine, vinte anos mais velho do que ela. Desse relacionamento nasceriam Jeanine, em 1857, e Marie Alexandrine Henriette, apelidada de Colette, em 1860. Com Jeanine, Dumas troca correspondência regularmente, ao longo da vida. sua filha predileta. O relacionamento extraconjugal de Nadine contribuiria para encurtar os dias do embaixador. Depois da morte do marido, Nadine e Dumas filho, que têm uma convivência já de doze anos, se casam. Dumas então reconhece publicamente suas duas filhas.

Em 1853 o compositor italiano Giuseppe Verdi apresenta em Veneza, com grande sucesso, a ópera Ia Traviata, uma adaptação da obra A Dama das Camélias. No século XX, importantes atrizes, como Sarah Bernhardt e Greta Garbo, interpretariam no cinema e no teatro a personagem de A Dama das Camélias, Marguerite Gautier. .

Embora o amor proibido tenha sido sempre um tema predominante no teatro francês, para Dumas ele é quase uma obsessão.

Marguerite e Armand
As onze peças escritas antes de 1880 apresentam o tema do amor ilícito, entretanto Dumas se considera um moralista e um educador, posição que parece um\tanto contraditória.

Dumas escreve outros romances que também são adaptados para o palco e que se transformam em peças notáveis por sua hábil construção. Diana de Lys, de 1853, trata do mesmo tema de A Dama das

Camélias e é baseado no relacionamento do escritor com a esposa do embaixador da Rússia. Le Demi Monde, escrita em 1855, é considerada a melhor de todas as obras dramáticas de Alexandre Dumas filho. Alguns críticos chegam a classificá-la corno um modelo exemplar do teatro do século XIX. O terna difere das duas primeiras na medida em que retrata as tentativas de urna mulher inteligente porém socialmente discriminada de reintegrar-se na sociedade. A peça gerou muita discussão, por retratar a falsidade e a frivolidade da sociedade francesa. Em suas peças posteriores, Dumas expressa sua revolta contra o moralismo romântico, a riqueza excessiva, o puritanismo da burguesia, ataca os preconceitos sociais e levanta questões sociais e psicológicas relacionadas a dramas familiares, prostituição, adultério, divórcio e condição feminina.

Pôster de Mucha para  
Sarah Bernard em
Dama das Camélias, 1896
Com base em sua própria experiência de vida e na personalidade de seu pai, Dumas publica, em 1858, O Filho Natural e, em 1859, Um Pai Pródigo.

Em 1867 Dumas publica um romance semi-autobiográfico, L'affaire Clémenceau, considerado uma de suas melhores obras.

Em 1874 Alexandre Dumas Filho é admitido na Academia Francesa de Letras. Durante mais de trinta anos dominaria os palcos franceses, com peças que defendem uma moral mais livre, com a igualdade sexual entre homem e mulher, o perdão à jovem que peca por amor, o ódio ao sedutor e à hipocrisia da sociedade que força o homem a matar e mulher adúltera. Em suas obras Alexandre Dumas enfatiza a importância do casamento e o propósito moral da literatura. Entusiasticamente aplaudido por uns e causticamente criticado por outros, Dumas provoca amplas e complicadas discussões ,e opiniões divergentes pela forma como trata a questão moral. Obviamente trata-se de um escritor sério e coerente, de um genuíno pensador, embora sua paixão pelo paradoxo e pelo efeito dramático por vezes lhe dê umn ar de artificialidade. De uma maneira ou de outra, entretanto, seu sucesso é extraordinário e inegável.

Greta Garbo e Robert Taylor no filme de 1936
Em 1894, é condecorado pela Legião de Honra (Légion d'Hónneur), a mais alta ordem de mérito do Estado francês, concedida a civis e militares, por sua contribuição à nação.

Após a morte de Nadine, em 1895, Dumas casa-se com Henriette Régnier, que era sua amante havia oito anos. Alguns meses depois, em 27 de novembro, o escritor morre em Marly-le-Roy, deixando inacabada sua última peça, Le Retour de Thêbes.

Alexandre Dumas filho está sepultado no cemitério de Montmartre, a pouca distância do túmulo de sua heroína, Marie Duplessis.

Friedrich Schiller

Johann Christoph Friedrich von Schiller (Marbach am Neckar, 10 de novembro de 1759 Weimar, 9 de maio de 1805), mais conhecido como Friedrich Schiller, foi um poeta, filósofo e historiador alemão. Schiller foi um dos grandes homens de letras da Alemanha do século XVIII, e juntamente com Goethe, Wieland e Herder é representante do Romantismo alemão e do Classicismo de Weimar. Sua amizade com Goethe rendeu uma longa troca de cartas que se tornou famosa na literatura alemã.

Filho de um cirurgião militar das tropas de Württemberg (na época, sob o comando do Duque Carlos-Eugênio), Johann Kaspar Schiller (1723-1796) e de Elisabeth Dorothea Schiller, nascida Kodweis (1732-1802), Friedrich Schiller nasceu em 1759, em Marbach am Neckar, onde vive seus primeiros anos de vida. Em 1762 seu pai é promovido a capitão e passa a exercer funções de oficial-recrutador na cidade livre de Schwäbisch Gmünd. Em 1763 a família Schiller fixa residência na localidade de Lorch, onde Schiller aprende as primeiras letras. Aos cinco anos inicia seus estudos do latim, sob a orientação do pastor Ulrich Moser.

Durante o curso de
medicina, alimenta-se
com os clássicos
Em 1767, um nova nomeação do pai de Schiller leva a família a se instalar em Ludwigsburg, onde o poeta frequenta a escola latina. A intenção de Schiller é se preparar para ser pastor, mas em 1773 acaba por ingressar, contra a sua vontade, na Karlsschule (academia militar instalada no castelo Solitude em Stuttgart, fundada por Carlos-Eugênio com a finalidade essencial de treinar oficiais e funcionários para servi-lo). Schiller opta pelo curso de Direito, que posteriormente abandonará. A rigidez da disciplina militar da academia causa profunda impressão em Schiller e lhe dá inspiração para sua primeira grande obra, Os Bandoleiros. Schiller abandona o curso de Direito, e em 1775 ingressa na faculdade de Medicina. Durante esse período alimenta sua paixão pela literatura, lendo clássicos como Plutarco, Klopstock, Shakespeare, Lessing e Goethe, e também iluministas como Voltaire e Rousseau. Também nessa época Schiller se fascina com o movimento Sturm und Drang, do qual será representante como seu amigo Goethe. É durante esse período na Faculdade de Medicina que Schiller escreve sua peça Os Bandoleiros.

O Weimar Park de Charlotte e Caroline
Em dezembro de 1780 Schiller forma-se em Medicina e deixa a Karlsschule, e é designado como médico do exército de Württemberg. Em 1781 publica Os Bandoleiros, seu primeiro grande sucesso nos palcos. Por intermédio do empresário Wolfgang Heribert von Dalberg, a peça é representada pela primeira vez em 1782 no Teatro de Mannheim, causando grande comoção no público, principalmente os jovens. Como Carlos-Eugênio não autorizou a representação da peça, Schiller foi punido com 14 dias de detenção e proibição de continuar escrevendo. Numa noite de setembro de 1782, contrariando as ordens de Carlos Eugênio, Schiller foge de Stuttgart junto com seu amigo e primeiro biógrafo Andreas Streicher, sem dinheiro, e com destino a Mannheim

Em 1782 Schiller publica, com dinheiro próprio, A Conjura de Fiesco - a obra não rende muito lucro inicialmente. Em 1783 o empresário von Dalberg propõe a Schiller o emprego de dramaturgo no Teatro de Mannheim (Theaterdichter em alemão). Porém Schiller adoece de Malária (doença então comum nos charcos às margens do Reno) e não consegue cumprir com o contrato por problemas de saúde: 3 peças por ano. Nessa época Schiller já inicia os trabalhos nas peças Intriga e Amor(até então com o título Luise Millerin), que viria a ser encenada em abril de 1784, e Don Carlos. Seus problemas financeiros com o fim do trabalho como dramaturgo aumentam, e Schiller quase chega a ser preso na chamada Schuldturm, ou Torre dos devedores. O poeta se desvencilha das dificuldades econômicas com um gesto audacioso: confia seus problemas a um grupo de desconhecidos que lhe haviam escrito manifestando sua admiração e oferecendo-lhe hospitalidade em Leipzig. O grupo é composto pelos futuros grandes amigos de Schiller: Gottfried Körner e Ferdinand Huber e suas respectivas noivas. O ambiente é de empolgante amizade, e ali compõe o poema "Ode à Alegria" (An die Freunde), que seria imortalizada na Nona Sinfonia de Beethoven. Em seguida mudam-se para as imediações de Dresden (especificamente o vilarejo Tharandt), e em 1787 Schiller finaliza a peça Don Carlos, onde trata a Guerra dos Oitenta Anos entre a Espanha e os Países Baixos.

Charlotte Schiller
Em 1787 Schiller viaja para Weimar, e lá trava conhecimento com Wieland, Herder, Carl Leonard Reinhold e Goethe. Num passeio pelo vilarejo de Rudolstadt Schiller conhece as irmãs Charlotte e Caroline von Lengefeld, com as quais tenciona ter uma ligação amorosa (apesar de Caroline ser já casada), intenção revelada por Schiller em uma carta às duas irmãs.

Em dezembro de 1788, Schiller, que também sempre mantivera um grande e profundo interesse por História, é indicado, a ser professor de Filosofia e História na Universidade de Iena, após indicação de Goethe. Essa vaga era, no início, sem salário, mas com perspectivas de ganho futuro. Schiller porém não se sente à vontade nesse cargo, e pensa até em abandoná-lo, tanto por um sentimento de inadequação com a comunidade acadêmica quanto pelo seu estado de saúde constantemente debilitado.

Em 22 de Fevereiro de 1790 Schiller se casa com Charlotte, que lhe dará dois filhos e duas filhas. Esse casamento eliminou a possibilidade do triângulo amoroso com Charlotte e Caroline, que o impetuoso Schiller almejava. O casamento lhe trouxe, porém, satisfação e calma. No mesmo ano seu estado de saúde se agrava, não vindo a se restabelecer até sua morte. Schiller sofre ataques e frequentes desmaios, decorrentes provavelmente de grave tuberculose. Seus hábitos de beber e fumar, associados à vida intensa típica de um romântico, não poderiam lhe auferir outros resultados. É interessante notar, porém, que mesmo com tal debilidade física Schiller foi um incansável escritor e pensador, e se viveu até os 45 anos é porque uma grande força de vontade se alojava em seu peito.

 A grande amizade entre  Goethe e Schiller
Nos anos seguintes Schiller se dedica à cátedra na Universidade, à Filosofia e à Estética. Em 1791, depois de notícias sobre sua péssima saúde, recebe ajuda financeira (1000 Taler anuais por 5 anos) do Príncipe de Augustenburg e do Conde Ernst von Schimmelmann. Esse mecenato rendeu diversos textos e estudos importantes, como As Cartas Sobre Educação Estética, Sobre Graça e Dignidade, a "História da Guerra dos Trinta Anos", entre outros.

Em 1794 floresce uma forte amizade com Goethe, que se iniciou na verdade em 1788, quando este retorna de sua viagem à Itália. No início ambos não sentiram grande entusiasmo um com o outro, porém com o tempo iniciaram uma cooperação que se tornou ícone do Romantismo alemão. As cartas que trocaram se tornaram históricas, e são prova da amizade sincera que existiu entre os dois e que sempre foi temperada com uma dose de competição. Goethe se sentia incomodado com o sucesso de seu "concorrente mais jovem", sentimento que era compartilhado por Wieland, e não suportava o vício de Schiller pelo tabaco e pelo jogo. Apesar disso, os dois tiveram uma fértil produção, como o poema Xênias (1796), baseado no livro homônimo de Marcial.

Maria Stuart
A cooperação com Goethe faz Schiller exercer sua criatividade ao máximo, com uma produção de numerosas baladas, de poemas como A Luva, O anel de Polícrates, etc e de peças de teatro. Schiller também edita a revista As Horas. Em 1796, ano em que Goethe retoma seu Fausto, Schiller começa a escrever Wallenstein, sua peça de maior destaque. Em Weimar há um monumento aos dois grandes poetas do idioma alemão.

Em 1799 Schiller deixa Iena e fixa residência em Weimar, onde recebe um título de nobreza - podendo se chamar a partir de então Friedrich von Schiller. É quando produz a peça de maior sucesso de toda sua obra: em 1799 Wallenstein é representada pela primeira vez. Em 1800, publica Maria Stuart, peça que trata da rainha da Escócia e de seus conflitos com a realeza britânica. Em 1801 é finalizada a peça A Donzela de Orleans, representada pela primeira vez em Leipzig. Em 1803, publica a A Noiva de Messina e, em 1804, a peça Guilherme Tell, cujo personagem principal, à la Robin Hood, era um anti-herói que roubava de ricos para dar aos pobres, e foi tanto amado (tornou-se herói nacional da Suíça) quanto odiado (durante a era do Nacional-Socialismo).

A Donzela de Orleans
A extrema dedicação de Schiller à criação abalara profundamente seu estado de saúde, que já era grave. Uma grave infecção causada pela tuberculose o derruba definitivamente em cama, e após sua morte constata-se que seu corpo estava já terrivelmente comprometido: rins e pulmões destruídos, músculo cardíaco atrofiado e vesícula e baço inchados. Uma forte crise o acomete, vindo a falecer em 9 de Maio de 1805, deixando em sua escrivaninha a peça Demetrius (iniciada em 1804) inacabada.

A produção teatral e filosófica de Schiller teve grande influência na constituição do Romantismo. Em suas obras transparecem valores iluministas, como o Humanismo, a Razão e um enaltecimento da então emergente classe burguesa. Suas peças foram traduzidas para diversas línguas e foram recebidas em diversos países. Na Inglaterra, por exemplo, a peça "Os Bandoleiros" (primeira tradução de A.F.Tyler em 1792) foi recebida com entusiasmo pelo público, que identificou no personagem Karl Moor conflitos como os de Hamlet de Shakespeare e de Lúcifer de Milton.

O personagem da peça
Guilherme Tell, tornou-se
herói nacional da Suíça
Na literatura brasileira e portuguesa Schiller também exerceu influência, inicialmente no poeta romântico brasileiro Gonçalves Dias, que viria a ser o primeiro grande divulgador da obra de Schiller no Brasil. Durante seus estudos em Coimbra, quando interagiu com poetas românticos lusitanos como Alexandre Herculano e Antonio Feliciano de Castilho, Gonçalves Dias iniciou seus estudos de língua alemã e entrou em contato com a tradição literária da Alemanha.

A obra teatral de Gonçalves Dias foi grandemente influenciada pela linguagem teatral e temática schillerianas, como pode ser visto na obra Patkull, de 1843. A obra narra a história de Patkull (personagem baseado em Johann Reinhold Patkul), um herói "sensível e apaixonado, que se torna alvo de inveja e traições".A crítica à vida palaciana, às intrigas que ali tomam lugar, o "conflito entre paixões e dever", valores humanistas como a confiança na amizade e no amor, temas típicos do teatro de Schiller, estão presentes em Patkull e na produção teatral gonçalviana (Beatriz Cenci, Leonor de Mendonça e Boabdil).

Gonçalves Dias
Gonçalves Dias também se inspirou nos escritos historiográficos de Schiller ao escrever suas "Reflexões sobre os Anais históricos do Maranhão por Berredo",em que exalta a ideia schilleriana e romântica de humanidade. A admiração de Gonçalves Dias por Schiller foi coroada por sua tentativa de traduzir A Noiva de Messina, infelizmente inacabada devido à morte do poeta num naufrágio, no qual provavelmente a versão final se perdeu.